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Tufi Duek e a marca Forum: uma leitura da moda no Brasil

Elizete Menezes Messias
Data de defesa:19/JUN/2009
Instituição: Centro Universitário Senac
Pode-se falar em indústria de moda no Brasil somente a partir do final dos anos 1970, quando despontou um núcleo de confecções voltadas para os estilos de vida jovens e esportivos, dirigidas por estilistas, que transformaram a produção de design na principal alavanca da sua expansão econômica. A Forum, criada e dirigida por Tufi Duek, tornou-se uma das empresas mais representativas deste grupo, integrando o setor mais legítimo do mercado, o das marcas de luxo.
O objetivo desta pesquisa – tomando por base a política de marketing implementada por Duek, que teve como estratégia associar a imagem do seu produto com os principais clichês da cultura brasileira- é recuperar o movimento de construção e consolidação da marca. Estudar a trajetória da grife é um caminho para resgatarmos uma parte da história da formação da indústria e do campo de moda no país.
A Forum, criada no início dos anos 80, propunha trabalhar com o jeans, focando-se no tamanho do mercado disponível para este artigo. Em 1982, um ano após a criação da Empresa, “duas entre três calças vendidas no país eram jeans, o que fazia do Brasil o mercado mais importante, depois dos Estados Unidos”[1].
A marca, implantando a ferramenta de marketing “desenvolvimento de produto”, inseriu em suas peças jovens e casuais, qualidade e design. Desta forma, ela passou a fazer parte do núcleo de empresas do setor que inovaram a atividade no País na década de 90, ao disseminar um produto diferenciado pela criação, uma competência até então ausente na esfera nacional. Com a promessa de crescimento do setor, os estilistas passaram também a se preocupar com a gestão dos procedimentos de fabricação e comercialização.
Assim, além da excelência no produto, a Forum também buscou enfatizar os canais de distribuição e a divulgação, na qual se insere a publicidade.  Nestas áreas os investimentos da marca foram altos. A grife investiu numa rede própria de distribuição e apostou em lojas conceito. No quesito divulgação, as estratégias foram as mais diversificadas, envolvendo desde desfiles-espetáculo até a produção dos livros de moda Ruas (1994), Welcome to Brasil (1995), Photo Ellen Von Unwerth (1996), Photojeanic – The Cult Jeans (1998).
As ações de marketing de Tufi Duek foram grandemente influenciadas pelo sistema de prêt-à-porter americano. Segundo Crane, este sistema: “é uma forma de cultura de mídia no sentido de que seus valores e sua atração pelo consumidor são, em grande parte, criados pela publicidade”[2].  Ainda segundo a autora, o prêt-à-porter “hoje é basicamente orientado para os gostos dos jovens”[3].  Foi com base neste público-alvo e na busca incessante pela atenção da mídia que Duek pautou suas atividades.
Do mesmo modo que a Forum, muitas outras grifes brasileiras direcionaram seus trabalhos neste caminho, entretanto os altos investimentos da Empresa de Duek fizeram com que ela implementasse estratégias que as demais não implementaram de maneira tão incisiva. Isto fez com que o espaço ocupado pelas atividades da marca na imprensa fosse maior que o destinado a outras, aumentando, desta forma, a dimensão dos efeitos das ações de seu proprietário e tornando o seu marketing muito eficaz no que se refere ao reconhecimento e distinção da Forum e do próprio estilista.
Com base na história de Tufi Duek à frente da Forum, é possível fazer uma leitura da construção do campo da moda no Brasil. Esta narrativa que tem início em 1981, com a criação da grife, e fim em abril de 2009, com o afastamento do estilista da marca, fornece as principais etapas que estruturaram a esfera mais legítima da moda nacional. Diga-se que a moda é mais ampla que este circuito no qual se desenvolveu Duek e sua grife, entretanto o referido ambiente é a parcela de ponta do setor, é o espaço mais legítimo, ou seja, é o campo.
O trabalho aqui apresentado faz parte de um esforço sobre estudos acadêmicos da moda no País. Neste rumo, a pesquisa sobre a história da Rhodia no Brasil por Maria Cláudia Bonadio,[4] o estudo estrutural da indústria de moda em São Paulo por Branislav Kontic[5] e a análise do funcionamento do campo da moda no Brasil por Alexandre Bergamo[6] foram fontes essenciais para esta pesquisa. Também constituíram instrumentais teóricos fundamentais para a reflexão os trabalhos de Pierre Bourdieu[7], com o conceito de campo, e Diana Crane,[8] com as definições de moda e consumo.
O trabalho foi estruturado em três capítulos. O primeiro capítulo, A CONSTRUÇÃO DE UM CAMPO, faz uma leitura da trajetória de dois agentes que foram fundamentais para o desenvolvimento da moda no País: o publicitário Lívio Rangan e o produtor de desfiles Paulo Borges. É uma espécie de introdução aos agentes que contribuíram grandemente para a ascensão da moda no Brasil, aplicando, para isto, ferramentas de marketing em seus trabalhos.
Na década de 60, Lívio Rangan, chefe de publicidade da Empresa Rhodia, incrementou o circuito nacional ao empregar técnicas de divulgação no setor, com foco na brasilidade. Ele produziu editoriais de moda e desfiles-shows inspirados nas tradições culturais brasileiras, iniciando um processo de concepção de identidade para uma idéia de moda nacional. Certamente o agente serviu de inspiração para os desfiles-espetáculo da Forum, sobretudo o desfile “Brasil, mostra a tua cara” de 1994, no qual a marca apresentou diversos elementos do País.
O segundo agente retratado neste capítulo, Paulo Borges, foi o responsável pela consolidação da semana de moda nacional na década de 90. O calendário estruturado por Borges foi imprescindível para a organização do campo no País, uma vez que ele reuniu os agentes do setor e passou a concentrar e disseminar as mudanças.
Para alcançar o espaço de coordenador do circuito, o produtor de desfiles teve que recorrer a meios e técnicas que dessem visibilidade e sustentabilidade ao seu evento. Foi desta forma que Borges estabeleceu importantes parcerias com escolas de moda, empresas do setor e de outras áreas (como a Fiat) e lançou campanhas de incentivo à brasilidade na moda e outras campanhas vinculadas ao terceiro setor.
Os segundo e terceiro capítulos são dedicados ao trabalho do estilista Tufi Duek na direção da Forum.  O capítulo dois, A TRAJETÓRIA DE TUFI DUEK, aborda a construção da marca Forum, num contexto de desenvolvimento e consolidação da indústria de moda no País, e discorre sobre a trajetória do estilista e da marca, referendando a influência da comunidade judaica e da família do empresário em seu trabalho. Destaca-se ainda neste capítulo a importância do jeans para a Forum e para a moda nacional como um todo.
No mesmo item, são traçadas as estratégias do estilista com foco na moda global: a montagem de um showroom em Nova York, a construção da flagship, loja modelo, na Rua Oscar Freire, e a venda da marca para um conglomerado. Aqui também são definidos os contornos da marca, fortemente vinculada a um tipo ideal sensual e associada a um estilo de vida ao mesmo tempo requintando, jovem e sedutor.
No capítulo três, BRASILIDADE COMO ESTRATÉGIA DE MARKETING, é analisada a construção de uma identidade para a Forum, com o objetivo de atingir o mercado globalizado, cujo diferencial seria a associação desta marca à noção de brasilidade. Com o referido propósito, Duek elabora suas coleções e desfiles-espetáculo, fazendo uso recorrente de clichês da cultura brasileira que circulariam no imaginário global.
NOTAS
[1]. DURAND, José Carlos. Moda, Luxo e economia. São Paulo: Babel Cultura,1988, p. 96.
[2]. CRANE, Diana. A moda e seu papel social: classe, gênero e identidade das roupas. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2006, p. 274.
[3]. Ibid., p. 392.
[4]. BONADIO, Maria Cláudia. O fio sintético é um show! Moda, política e publicidade; Rhodia S/A. 1960-1970. Tese (Doutorado em História) – IFCH, Unicamp, Campinas, 2005.
[5]. ONTIC, Branislav. Inovação e redes sociais: a indústria da moda em São Paulo. Tese (Doutorado em Sociologia) – FFLCH, USP, São Paulo, 2007.
KONTIC, Branislav. Aprendizado e metrópole: a reestruturação produtiva da indústria do vestuário em São Paulo. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – FFLCH, USP, São Paulo, 2001.
[6]. BERGAMO, Alexandre. A experiência do status: roupa e moda na trama social. São Paulo: Editora UNESP, 2007.
[7]. BERGAMO, Alexandre. A experiência do status: roupa e moda na trama social. São Paulo: Editora UNESP, 2007.BOURDIEU, Pierre. A produção da crença: contribuição para uma economia dos bens simbólicos. São Paulo: Zouk, 2004.
BOURDIEU, Pierre. Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Editora Marco Zero Limitada, 1983.
[8]. CRANE, Diana. A moda e seu papel social: classe, gênero e identidade das roupas. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2006.