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O Vestido da Reforma: design e interdisciplinaridade

Regina Barbosa
Data de defesa: 12/FEV/2009
Instituição: Universidade Anhembi Morumbi
Viena me veio. De várias formas e em muitos momentos da vida e se, por um lado, as memórias infantis tendem a ser fantasiosas, a fantasia construída amadureceu e recebeu um fermento adicional.
Minha mãe é uma colecionadora de trecos, fazedora de coisas, apaixonada por Arte (e aqui cabe um aparte: minha mãe graduou-se em Artes Plásticas em 1975 na Universidade Federal do Espírito Santo) e sempre foi uma entusiasta das coleções de fascículos comprados em bancas de jornal. Daí que, nessa nossa paixão compartilhada, lá pela década de 80, começamos uma coleção de fascículos de Grandes Artistas, o que demandava idas semanais à banca de jornal e acordos com o jornaleiro para que guardasse os fascículos das semanas das férias passadas no Rio de Janeiro ou em Vitória.
A cada semana, eu-criança conhecia, pormeio das brochurinhas de papel couché, um novo nome, um novo rosto e uma maneira diferente de ver o mundo, tendo, inclusive, criado relações de rejeição ou profundo afeto no encontro com alguns daqueles artistas. E, no fascículo de Klimt, Viena me veio.
Se o lugar não foi compreendido como instância geográfica imediatamente (a Áustria então era, para mim, o lugar onde tinha vivido Sissi ou de onde tinha vindo a Catarina, uma amiga da família que fugiu da Europa em guerra), tornou-se a fonte daquela forma de olhar que retratava modelos que encaravam o observador, quase o desnudando. E, se as intenções do rosto de uma Adele Bloch-Bauer (Gustav Klimt, 1907) eram claras, o que acontecia em torno de si era uma confusão dourada em que roupas, mobiliário e plano de fundo pareciam indistintos.
Foi somente na graduação em Moda, tendo deixado a primeira em Arquitetura inconclusa, que conheci Klimt em um campo em que não o tinha ainda percebido, mas intuía, na relação entre o grupo Secessionista de Viena e a Reforma do Vestuário, em que se buscava tornar livre um corpo contido numa carapaça que em nada se assemelhava ao mundo em que este corpo desejava existir.
E então, novamente, Viena me veio, por meio de um outro austríaco que me tinha fascinado no curso de Arquitetura. Um artista-arquiteto-ambientalista-designer chamado Hundertwasser[1] que, com sua teoria das cinco peles e de como cada pele tem papel fundamental na relação com as outras, me fez pensar nas interações entre fazer e refletir para quem fazemos, sendo esse “quem”, alguém que se relaciona com o mundo. E, afinal, que mundo é esse?
Assim, voltar ao início do século XX pareceu inevitável, na tentativa de entender o que é construir soluções para um mundo que, na visão do artista, fazia tudo aquilo que envolve o corpo se amalgamar, talvez buscando uma solução plástica que tornasse possível retratar o conceito de Gesamtkunstwerk, a Obra de Arte Total, tendo como modelo a ópera[2] que, ao combinar música, teatro, dança, literatura e as artes decorativas, aproxima as artes ditas maiores das menores, modalidades indistintas aos olhos dos secessionistas. Desta forma, os objetos cotidianos deveriam ser pensados como parte de um todo que proporcionaria ao indivíduo vivenciar a experiência da Arte em todos os momentos da sua vida.
Contudo, talvez, este projeto resultasse em algo excessivamente fiel a um palco, onde a vida seria apenas uma encenação e teria sido afastada do ideal de verdade nua buscada pelos Secessionistas. Assim, não surpreende que a Obra de Arte Total tenha encontrado o declínio como modelo artístico e como empreendimento empresarial, uma vez que deixava de lado a capacidade mutável da natureza humana e não conferia reconfigurabilidade[3] aos seus projetos, ou seja, a possibilidade de permitir ao usuário que (re)projete seu mundo.
No segundo capítulo da dissertação, me ative mais demoradamente no  Vestido da Reforma (Reformkleid), que é pensado como um aspecto deste projeto de materialização de um mundo em transformação, mas que também oferecia-se como solução ideal e permanente em contraposição a um modelo que não permitia a fruição da vida na cidade e a participação social das mulheres[4]. Ora, o vestir-se não respeita modelos que se desejam permanentes[5] e é intrínseco à modernidade o anseio por mudanças[6].
Ao investigar a Secessão Vienense e a produção material da Wiener Werkstätte (Oficina de Viena), pretendi apontar sem, contudo, esgotar a discussão, os reflexos percebidos da atividade de construção material de um mundo em transformação e a ação do designer na contemporaneidade, que, se por um lado, não pretende construir uma Gesamtkunstwerk, impensável de formular no mundo plural em que vivemos, é ele mesmo, e até por estar neste mundo, um gesamtkunstwerker, um articulador de discursos, atuando por vezes em campos da atividade projetual que não os da sua formação específica e que tem se mostrado capaz de agregar em torno de si uma gama de outros profissionais que possam dialogar e buscar soluções que contemplem as múltiplas realidades que se lhes apresentam.
NOTAS
[1]. RESTANY, Pierre. Hundertwasser: o pintor-rei das cinco peles. Editora Taschen, 2008.
[2]. KALLIR, Jane. Viennese Design and the Wienner Werkstätte. Nova Iorque: Galerie St. Ettiene/George Braziller, 1986.
[3]. KRIPPENDORFF, Klaus. Design Centrado No Ser Humano: uma necessidade cultural. Estudos em Design. Rio de Janeiro: Volume 8, Número 3, p. 87-98, setembro de 2000.
[4]. HOUZE, Rebecca. Fashionable Reform Dress and the Invention of “Style” in Fin-de-Siécle Vienna. Fashion Theory. Reino Unido: volume 5, Issue 1, p. 29-56, março de 2001.
[5]. LIPOVETSKY, Gilles. O Império do Efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
[6]. SIMMEL, Georg. A Moda. Iara Revista de Moda, Cultura e Arte. São Paulo: Volume 1, Número 1, p. 163-190, abril-agosto 2008.